sábado, 3 de outubro de 2009

Não Sou Merecedor

Acabo de ler sobre um ex-militar que foi perseguido na época da ditadura. Seus ideais eram de justiça e igualdade, e desta forma, ele não se enquadrou ao sistema e acabou perdendo sua liberdade.

Na ditadura sofreu também o Frei Beto. Numa jogada gatuna, tentaram transformar ele num prisioneiro comum ao invés de político, para humilha-lo ainda mais. Em protesto, Beto deixou de comer, chegando a aproximar-se da morte em alguns dias. Sua família retrucou dizendo para ele não jogar fora a vida, dom precioso dado por Deus. Ele replicou dizendo que o dom mais precioso era a sua dignidade.


Ando pensando nisso dias e dias, cambaleando feito um cego em ruas abarrotadas. Percebo que não sou digno da benção citada por Jesus: bem-aventurados aqueles que são perseguidos por causa da justiça. Indo mais longe, ainda não sou merecedor da bem-aventurança de ser considerado alguém com sede e fome de justiça.

Não posso apropriar-me do sermão da montanha. As cenas de violência e notícias da sub-condição humana apenas me deixam triste. Os relatos sobre crianças violentadas e mortas, bem como a rede maldita da pedofilia apenas me revolta. Gente sendo comercializada como escravo no Brasil ou idosos padecendo nos corredores de hospitais apenas me sensibilizam. Mas, ainda não fui à luta, não dei a cara pra bater, não manifestei a toda gente minha sede e fome de justiça.

Não fui a passeatas, nem manifestações. Não permaneci um incômodo ao sistema, pelo contrário, acomodei-me. Errei ao não dar ouvido a um missionário que afirmou que nenhum sistema religioso suporta a pressão do capital. Meus amigos são capitalistas, mesquinhos feitos sanguessugas. São todos gente boa, amados e queridos, mas ninguém tem feito coisa alguma contra o sistema. E eu tenho sido pior deles.

Minha geração refestelou-se em dívidas e em sonhos de consumo. Fizeram templos bonitos e ao mesmo deixaram crianças morrerem de fome. Abandonaram comunhão por trabalho e dinheiro, deixaram o companheirismo por empresas e carros importados. Criaram igrejas que mais parecem caixinhas de promessas. Que geração leviana!

Ainda não me vejo merecedor que qualquer galardão dos mártires. Sou como Marcelo Camelo, que ao receber o prêmio de melhor composição afirmou: “como posso receber este prêmio numa categoria onde também está Chico Buarque?”. Não posso dizer que sou bem-aventurado se os profetas cuidaram dos pobres e das viúvas enquanto eu preguei um evangelho chinfrim temperado com coisas nada humanizadas.

Por anos eu disse que a salvação de Jesus mitigava o sofrimento deste mundo – ledo engano! Desencarnei-me, fiz-me um completo carola em tempos enfadonhos onde meus vizinhos passavam fome e frio. Desumanizei-me ao afirmar que as pessoas padeciam por não se comprometerem com Cristo. Só fui perceber que estava errado quando eu mesmo passei a sofrer dia após dia, sendo eu um completo pelego e consumidor da igreja.

Nunca fui perseguido por causa da justiça. Não possuo tal bem-aventurança.

Tiago 1:27 – Para Deus Pai, a religião pura e verdadeira é ajudar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e não se corromper com as coisas deste mundo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Expresse sua opinião, ponha a boca no mundo.

Lembre-se que não é necessário concordar comigo, mas em contrapartida, eu posso necessariamente não concordar contigo.

Boas leituras!