segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Critério Algum

Acredito que o significado do amor nada tem haver com sentimento, mas sim com atitudes voluntárias direcionadas em favor de alguém. Ou seja, amar é agir. A pergunta que não me deixa em paz neste momento é “quem nós amamos?”.

Meu pensamento é que amamos os bonitos, os competentes, os que falam bem em público, os ricos, os esbeltos, os famosos, os líderes, os charmosos, os diplomados e os doutores. É mais fácil dedicar atenção àqueles que fazem por merecer ou que despertam em nós aquilo que nos interessa.

Amamos as qualidades, aquilo que nos interessa. Deve ser por isso que uma gafe, uma barbeiragem no trânsito, um tropeço em público, uma desafinada ou um erro grosseiro nos causam tanto embaraço. Essas coisas nos roubam a capacidade de ser amado pelos outros. Lutamos constantemente para manter o encantamento. A velhice e a doença são sempre as coisas que mais tememos, porque são os principais antagonistas de nossas competências e charme. Nossa aparência é sempre muito mais preservada do que nossa essência.

Creio que não amamos os feios, os desastrados, os desqualificados, os moribundos, os chatos, os burros... Dedicamos a eles no máximo um pouco de nossa piedade. Não há nada que nos interesse numa estirpe de gente sem talento, sem beleza ou sem dinheiro.

É a partir deste pensamento que começo a entender o porquê que Deus revelou o evangelho a gente humilde, iletrada, simples, pecadora. Jesus esteve entre gente desprovida de intelecto e de expertise. A mensagem divina foi entregue a uma categoria de pessoas sem qualquer qualidade especial.

Nós, que entendemos que para amar devemos ter uma espécie de crivo para distribuir o amor às pessoas, devemos perceber que o critério distributivo do amor de Jesus era não ter critério algum.

Deus deixou claro que todo o esforço e todo o charme que insistimos tanto em cultuar não significam nada. Ele confiou a gente humilde e cheia de defeitos sua mensagem e muito mais que isso, deixou essa mesma gente encarregada de transmiti-la a todos os confins da terra. Se Deus fosse premiar alguém por suas competências, não premiaria ninguém.

A única qualidade que Deus espera que tenhamos é a capacidade de amar os outros. Entendo que Deus age da seguinte maneira: ninguém merece amor, por isso todos precisam receber.


sábado, 26 de dezembro de 2009

Deveria Eu Ser Um Católico?

No novo testamento a palavra GRAÇA é empregada para referir a irredutível e desconcertante benevolência de Deus para conosco, ainda que nós sejamos e permaneçamos pecadores, patifes e canalhas. Garante a palavra de Deus que é pela graça, isto é, por bondade divina e não por mérito nosso, que recebemos perdão e salvação deste nosso estado maldito de pecado.

É pela graça e não por algum critério de seleção, que Deus faz derramar a chuva sobre justos e injustos. E é pela graça que as suas misericórdias renovam-se a cada manhã. É pela graça e não por teste de paternidade que Deus nos chama de filhos e permite que nós o chamemos de Pai. É pela graça que Deus oferece uma infinidade de perdão a cada ciclo de tempo e o mesmo procedimento requer de seus filhos.

Paradoxalmente, os protestantes interpretam-se como grandes e credenciados defensores da graça, mas efetivamente são os católicos (muitas vezes tidos como antagonistas dos protestantes) os únicos cristãos a desfrutar graciosa e adequadamente dela. É um item que, em minha opinião, tem riscado o verniz da história do cristianismo ocidental. A característica mais singular da graça, e é isso que me faz pensar sobre tal paradoxo, é o fato de que não há nada que se possa fazer para merecê-la: não se pode barganhar ou extorquir aquilo que Deus se dispõe a oferecer gratuitamente. Essa novidade torna obsoletas todas as mais consagradas práticas religiosas, como ofertas, sacrifícios, promessas, penitências e procedimentos.

O discurso da reforma religiosa foi que a Igreja Católica havia perdido a graça de vista, pois ela estava construindo um império fundamentado na venda de privilégios e na institucionalização. Havia a acusação de que os católicos haviam dado as costas para a mensagem de Cristo, que afirmava não haver sacrifício no mundo que pudesse adquirir perdão ou penitência que pudesse apagar a culpa. A graça era a encarregada de tudo isso. Para os protestantes, os católicos haviam reduzido o cristianismo a um ritual sem vitalidade, pois haviam se esquecido da graça, e por isso eles estavam dispostos a dedicar suas vidas na correção deste desvio. Só que nos últimos séculos, percebo que são os católicos os cristãos mais competentes a desfrutar integralmente da graça, enquanto os protestantes se encarregaram de transformar o cristianismo em ritual e instituição.

Eu, como protestante, digo de peito aberto que resta-nos o discurso e cabe aos católicos toda a herança. Parece inevitável que sempre adquirimos as características daqueles que refutamos. Vou tentar exprimir em palavras meu ponto de vista.

Os católicos entendem que a igreja não é contida por templo algum, ainda que existam templos católicos em todo lugar do mundo (verdadeiro sonho de consumo protestante), e de certa forma entendem que nada neste mundo tem como dar errado. Ou seja, se a Igreja está em todo lugar, Deus está em todo lugar e também o serviço cristão. Os católicos enxergam a igreja não como um lugar, mas como uma condição de segurança e de acesso a Deus, algo muito semelhante ao que Jesus descrevia como sendo o reino de Deus.

Os católicos estão muito mais dispostos (e percebo isso na pele) a receber os pobres, os doentes, os deformados, os divorciados, os travestis, os aidéticos, os viciados, os mendigos, os maltrapilhos, os bêbados, os fedorentos e os rejeitados de todas as estirpes, do que qualquer vertente protestante. Qualquer igreja católica tem a maturidade suficiente de receber um destes excluídos sem exigir nada em troca pelo oferecimento gratuito do perdão e do acesso a Deus.

Ao contrário de nós protestantes, os católicos vão à missa e não à igreja, pois esta é terreno santo e onipresente do qual não há como escapar. E se Deus está em todo lugar, sua proteção é imediatamente acessível, seu poder é inevitável, seu favor é onipresente. Deus e a vida podem ser celebrados adequadamente em qualquer lugar, fora das paredes do templo, porque não há como fugir da segurança da igreja, que é outro nome para o entendimento do reino de Deus. Coitados de nós, protestantes, se a palavra igreja não se tornar relevante novamente, se não se tornar algo de extrema importância nas nossas vidas. Para nós, protestantes, a igreja é um local definido e também uma atividade. A palavra igreja soa como lugar-comum, algo indiferente, que não faz o coração bater mais forte. Associamos igreja a atividades, compromissos devidamente agendados e muito bem organizados. Consideramos que quem faz mais é mais espiritual.

Percebo claramente que a palavra igreja quando ouvida por um católico, acende todos os seus sentimentos de amor, de cuidado e de bem-aventurança. Essa palavra desperta nele os sentimentos que só uma criança pode nutrir com relação à sua mãe: gratidão, reverência, respeito e amor sincero. Algo semelhante ao sentimento que toma conta de uma pessoa quando, depois de uma longa ausência, retorna ao lar de sua infância.

Os católicos têm as suas novenas, suas velas, suas promessas e seus sacrifícios, mas recorrem a eles e deixam-nos lá, em paz. Retornam para as suas casas e vivem as suas vidas como gente normal, confiados na improvável graça como um cristão verdadeiro deveria fazer. Não vêem a necessidade, como nós protestantes, de reacenderem seus sacrifícios incessantemente, domingo após domingo pela eternidade. Não há exclusão numa igreja católica, pois nem mesmo vêem necessário criar um rol de membros. Os católicos não vêem a necessidade de dar evidência do seu mérito pela atividade incessante, pelo acúmulo insano de conhecimento e pelos ajuntamentos febris.

Nós protestantes somos imbecis, pois adoramos atividades infinitas, diplomas e graduações, números de vendas e rol de membros. Os protestantes adoram números, balanços, resultados positivos – adoram contar vantagem. O número de famosos no meio católico se comparado com a realidade do meio protestante é irrisório.

Os católicos têm as suas repetições, mas podem recorrer a elas em oculto, na privacidade das suas casas. Têm as suas imagens, mas não se rebaixam com a mesma facilidade ou as mesmas desculpas que nós damos à ganância, que é nossa idolatria. Eles têm os seus santos, mas preferem beijá-los a sustentá-los com dinheiro, como fazem nós, os protestantes. O pior é que seus santos são gente simples como eu e você, que buscaram verdadeiramente a face do Deus vivo.

Nós, protestantes patifes que somos, temos os santos mais carolas, obtusos e bandidos do mundo, os quais vivem como marajás em seus palácios. Os católicos têm as suas penitências, mas conhecem o arrependimento. Tem as suas peregrinações, mas não se rebaixam na idiotice de seguir todos para o mesmo lugar.

Se somos nós os religiosos, porque deveríamos ser os que mais tagarelam sobre a graça? Para nós a igreja é um local e uma tarefa; para o católico é uma segurança e um estado de espírito. Para nós a graça é um conceito importante; para um católico é estar vivo.