domingo, 11 de outubro de 2009

Misericórdia Sufocada

Assisti há poucos minutos uma entrevista do Renato Russo, onde ele falava sobre a questão do homossexualismo no Brasil. Percebi certa confusão de pensamentos, apesar da grande inteligência que possuía, que levaram-me a um ponto de reflexão: as ações de misericórdia foram categoricamente sufocadas por legalidade.

O que penso sobre este assunto [e não estou falando sobre homossexualismo] é que o legalismo imprimiu determinada guerra entre misericórdia e o que podemos chamar de ordem da criação.

Para mim, a organização parece ser uma característica fundamental e do universo, ou seja, do próprio Deus. Basta ler o relato da criação no livro de Gênesis, onde tudo é metricamente criado, em sua ordem e previsão. Tal ordem da criação tem sido a essência da defesa dos cristãos. Afinal, a determinação de domínio da humanidade sobre as demais criaturas, a instituição da família e do casamento, tudo isto é relatado no Gênesis.

O mundo como Deus o criou está firmado em categorias fixas e violá-las é entregar o mundo ao caos. Mas, meu raciocínio é que os cristãos assumiram um posto de defesa tão belicoso, que esqueceram das ações de misericórdia, amplamente divulgado por Jesus Cristo, e desta forma afastaram-se de todo e qualquer plano divino. Enfim, deixo logo abaixo meu pensamento de forma exaustiva.

O primeiro aspecto que tenho em mente é que a retaliação contra a mulher é sempre firmada na ordem da criação. Adão veio primeiro, e a mulher foi criada para o homem; o marido é a cabeça da esposa; a mulher veio do homem, e não o homem da mulher. E tendo conhecimento desta ordem, a igreja impediu a ascensão da mulher ao ministério e sacerdócio em igrejas cristãs de todos os matizes.

Muito mais que impedi-las de crescimento social, à mulher foi concedido o posto de criatura de segunda classe. Ainda que não fosse assim criada, na ordem da criação ficou estabelecido que ela devia agir como se fosse.

Não só as mulheres sofreram com os cristãos. Os negros sofreram humilhações ainda maiores, pois sua dignidade foi arrancada com chicotes e pólvora. Por mais de 18 séculos a escravidão foi utilizada como forma de atividade econômica, sendo pacificamente aceita pela igreja.

A desculpa esfarrapada dada pela igreja para tamanha crueldade é que os negros eram descendentes do filho amaldiçoado de Cão, filho de Nóe, que fora condenado a servir seus irmãos. Tal panacéia foi amplamente promulgada no continente africano, sendo descrita como “sancionada em ambos os testamentos, utilizada em todas as épocas e encontrada nos países com maior desenvolvimento econômico e artístico”.

O Novo Testamento não oferece uma palavra de condenação à escravidão; ao contrário, em muitas passagens parece sancioná-la sem encontrar na questão qualquer dilema moral. Para os abolicionistas justificarem biblicamente sua posição era tarefa difícil, enquanto que os escravagistas tinham dúzias de versículos em seu favor. Dispor-se a lutar pela abolição era, em grande medida, dispor-se a lutar contra a Bíblia.

Houve pastores que anunciaram não existir motivos para casamentos entre raças, já que Deus criou brancos, negros, malaios, amarelos e vermelhos, e colocou-os em continentes separados, conforme a ordem da criação.

Meu raciocínio encontra ainda mais pérolas. Enquanto a Alemanha nazista avançava sobre tudo, em especial sobre os judeus e os classificados como sub-raça, o que a igreja estava fazendo?

Membros das igrejas européias anunciavam que a vontade divina expressa na lei era demonstrada por ordenanças claras e invioláveis que governam a vida das nações. Ou seja, para ser cristão genuíno era necessário ser patriota, e todo bom patriota não se posiciona contra as decisões de seu governo. Se assim Deus estava permitindo através dos governantes, quem seria eu para ir contra? – pensava a igreja.

Desta forma, todos os campos de concentração e todas as bombas foram aceitos, já que tudo era ocorrido por permissão divina. A igreja além de não se manifestar, engoliu em doses cavalares a crueldade com justificativas banais.

Nesta verificação pelas as atas da história, encontramos atitudes contra as mulheres, negros, judeus, ciganos e ademais. Mas, numa análise da contemporaneidade, percebo que o alvo são os homossexuais – pensamento que originou todo o escrito deste texto.

Não há espaço algum para os homossexuais nas igrejas. É aceito e bem recebido nos salões das igrejas, desde que bem arrumado e com dízimo saliente, o mentiroso, o lascivo, o estelionatário, o divorciado, o adúltero, o mesquinho, o fofoqueiro, o violento e o invejoso. Mas, não há lugar algum para o homossexual. Nesta terra tenho visto pouquíssima gente disposta a ouvi-los, a abraçá-los, a desejar dividir o pão com eles. Para ser mais exato, só encontrei duas pessoas até hoje com tal disposição cristã.

Enfim, todo este meu esforço de escrever sobre esta guerra existente entre a misericórdia e o legalismo cingido pela ordem da criação, leva-me as seguintes conclusões:

[1] - A igreja em maioria de efetivo e tempo esforçou-se em utilizar as escrituras como meio de justificativa de seus pensamentos, impulsos, procedimentos e conquistas econômicas.

[2] - A igreja tornou-se categoricamente uma instituição repleta de regras de conduta, cada item tendo sua severa punição, e desta forma, tudo quanto é “não conforme” não é passivo de receber graça e está muito longe de alcançar o reino dos céus.

[3] - A igreja não demonstrou seguir o ministério simples e libertador de Jesus Cristo, aquele que afirmou vir para salvar os pecadores, que o reino dos céus pertencia as criancinhas, e que agiu como salvador de mendigos, gays, adúlteros e puxadores de fumo de seu tempo.

Concluo que, eu como seguidor de Cristo e membro de uma comunidade protestante, devo pedir perdão a todos os que um dia foram marginalizados pela formalidade da igreja cristã.

Declaro aqui meu pedido de perdão às mulheres que foram proibidas de proclamar a palavra de Deus; meu pedido de perdão aos negros que foram utilizados como mão-de-obra escrava, proibidos de serem simplesmente humanos; meu pedido de perdão aos povos de outras raças, que foram diminuídos e humilhados por suas aparências e costumes não semelhantes; meu pedido de perdão aos homossexuais que não foram acolhidos e ajudados nas noites de frio e solidão.

A todos vocês que um dia foram considerados não aptos da graça de Deus, meu sincero perdão! "A misericórdia triunfará sobre todo juízo". Tiago 2:13.

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