quarta-feira, 22 de julho de 2009

Flor de Farinha

Eu tinha mais ou menos 15 anos quando comecei a tocar numa banda. Seguindo o padrão de todas as bandas de garagem, a nossa era também formada por amigos, que não tinham o equipamento completo, com instrumentos muito ruins, e que na esmagadora maioria das vezes implorávamos para tocar poder tocar seja onde for.

Nossa atmosfera era o que havia de música na igreja batista do Cajuru. Em outras palavras, se havia ali espaço para ensaiar, nós o utilizávamos. Se havia ali amplificadores e sistema de som, nós o utilizávamos. Se havia ali bateria e contrabaixo, nós os utilizávamos. Éramos totalmente dependentes daquela igreja.

Em contrapartida, a igreja também dependia de nós. Não existiam músicos na comunidade com a fome que tínhamos para tocar e por isso tudo quanto é culto, retiro, programação especial, cantatas, velórios e semelhantes, éramos nós os responsáveis pela música. Ligávamos os aparelhos de som, arrumávamos os instrumentos em seu devido lugar, improvisava extensões elétricas, refazíamos as soldas dos cabos com mau contato, ajustávamos os volumes e para nossa alegria, tocávamos as músicas.

Quando conquistamos certo nível de confiança dos que nos ouviam, nossa agenda passou a alocar também compromissos e não apenas contatos telefônicos. Alguns convites foram surgindo e com isso nosso repertório ganhou uma roupagem própria, independente dos padrões de execução no ambiente da nossa igreja. Ainda assim, dependíamos e muito do patrimônio do Cajuru e inúmeras vezes “pegamos emprestado” microfones, cabos, contrabaixo, pedestais e demais itens necessários para nossas apresentações.

Tenho guardado em meu coração as festas promovidas pelo Lar Batista Esperança, os cultos da Jubacap, a galera da igreja Presbiteriana da Avenida Silva Jardim, o grupo de jovem da igreja Batista Betel, os inúmeros convites feitos pela Jaque da igreja do Evangelho Quadrangular, a congregação Batista de Rio Verde... pessoas e lugares que proporcionaram uma ou mais apresentações de nosso grupo, sempre com uma calorosa recepção.

Uma situação peculiar que me recordo, e que me faz refletir um pouco sobre a vida, foi o convite feito pela igreja Batista do Bom Retiro. Foi um evento muito especial e divertido. Como toda a vez que tínhamos uma apresentação a fazer, era necessário “emprestar” os equipamentos da igreja conforme nossa gestão logística, digamos assim. E nesse mesmo item, também se fazia necessário arranjar um meio de transporte para banda.

Normalmente, nosso “covert artístico” era a carona (ida e volta) acertada informalmente com o responsável pelo convite. Todos os integrantes tinham menos de 20 anos, sem renda suficiente para ter um veículo, e por isso mendigar uma carona era a coisa mais natural e costumeira que fazíamos.

Como esta apresentação foi formalizada por uma pessoa externa a banda, não foi acertada carona, nos fazendo juntar migalhas para utilizarmos um táxi. O dinheiro só foi suficiente para chegarmos ao local da apresentação e este fato nos fez retornar a pé, com os instrumentos embaixo dos braços, para casa. A coisa mais interessante é que fomos reconhecidos no meio do caminho, exatamente na praça Carlos Gomes... Olha só! É a banda Exxodus!

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Acho que há uns 6 anos atrás, fiz um estudo bíblico sobre as circunstâncias das ofertas que eram apresentadas a Deus, e percebi uma conexão com ao episódio vivido naquele dia da apresentação no Bom Retiro.

Para perdão dos pecados, a oferta que devia ser apresentada ao Senhor por um líder devia ser um bode e por uma pessoa comum devia ser uma cabra ou uma ovelha. Se a pessoa fosse pobre poderiam ser ofertados rolinhas ou pombos, mas se a pessoa fosse muito pobre, a oferta poderia ser FLOR DE FARINHA.

Nos tempos antigos, o trigo não era processado em moinhos, mas socado em um pilão, o que resultava em uma mistura com muito farelo. A flor de farinha era a denominação dada ao trigo passado em peneira muito fina, resultando numa farinha semelhante a que usamos hoje. Dar a flor de farinha como sacrifício no templo indicava que uma pessoa de pouquíssimas posses estava dando o melhor para Deus.

Éramos muito pobres, não tínhamos instrumentos bons e muitas vezes nem os tínhamos efetivamente. Não existiam condições básicas para nossa locomoção, estávamos sempre na base de favores, na esperança de boas ações, troca de gentilezas. Quando éramos convidados para tocar, praticamente implorávamos por condições de atender tal oportunidade.

Foi um tempo de muita simplicidade. Apresentávamos a Deus aquilo que tínhamos de melhor em troca do perdão de nossos pecados. Andávamos a pé, emprestávamos dinheiro, pedíamos carona, esperávamos dias melhores. Dedicávamos nossa flor de farinha e assim louvávamos a Deus.

(Levítico 5:11)




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